O CAMINHO DO ROÇADO
: Vaumirtes Freire, poeta do silêncio
I
Cabaça cheia d’água
Pendurada na cangaia
Uma esteira de paia
E ninhos de carcará
Tem argolas de imbuá
À sombra da pedra fria
Um gavião que pia
No galho do jatobá
Chocalho a balançar
Ao ritmo da passada
No céu a passarada
Aos montes, sem destino
Um velho e um menino
Calçado de apragata
E no silêncio da mata
A cigarra triste canta
Animar pisando a pranta
Que cresce pelo camim
Aos pés d’um benjamim
Um boi rumina deitado
Vaqueiro tangendo gado
Com espora e chicote
Sai correndo a galope
No seu cavalo selado
Leva um boi laçado
Fazendo a sua história
E assim na minha memória
O caminho do roçado.
Os coaxos de sapos
Perto d’uma lagoa
Em silêncio uma canoa
Abre os braços de remos
Na babuja, nós vemos
O orvalho se equilibrar
Uma vereda de preá
Um buraco de tatu
O vôo alto do urubu
Um grito de seriema
Ben-ti-vis numa jurema
Aquecendo-se ao sol
O cântico do rouxinol
Vindo não sei de onde
Anum que se escondem
Dentro d’um cupinzeiro
No galho da aroeira
Tem um ninho de sabiá
Uma porteira pra passar
Galhos secos, pedra e touco
E a mata vítima do fogo
Aceso pelo agricultor
O canto da fogo apagou
No aceiro, compassado
Isso é parte do meu passado
Retalho de minha História
Que guarda na memória
Do caminho do roçado.
III
Taperas abandonadas
Cobertas pelas trepadeiras
Tiros de baladeiras
O medo de encruziada
Nos ombros uma enxada
Nos alforjes o soim
Pelo meio do camim
Estrume mole de vaca
Na cintura, uma faca
Para cortar as embiras
O sol nunca se retira
Um só minuto dali
Tem ninhos de juritis
Com ovos ou filhotes
Cancela, cerca e barrote
E uma porteira quebrada
Uma cacimba cercada
Na ribanceira da grota
O camim que se entorta
Desviando dum barranco
E à sombra do pau branco
Um espojeiro de jumento
Milhos bons de cuzimentos
E outro pra ser assado
O tempo passa apressado
Mas demora na memória
Pois ouvi está história
De meu pai lá no passado.
Sobral-CE 2011